Governo não cumpre promessas e áreas populosas convivem com esgoto a céu aberto. E vai seguir assim depois das Olimpíadas 2016.
Cascatas de resíduos cruzam o labirinto de vielas que servem como parque de diversão de Kaike de Oliveira Benjamin, de 5 anos. A água poluída forma poças fétidas, escuras e borbulhantes com fluxos de resíduos e lixo. A situação é um pouco melhor dentro do minúsculo apartamento de um quarto que divide com sua mãe, dois irmãos, baratas e ratos. Quando chove, uma mistura de águas pluviais e de esgoto batem nos seus tornozelos. A água potável a que tem acesso sai da torneira com aparência ruim e cheirando mal.
Nas últimas semanas, a falta de saneamento básico do Rio de Janeiro esteve nas manchetes por causa dos atletas olímpicos que vão competir em águas poluídas durante os Jogos Olímpicos de 2016. Mas dificilmente esse problema que afeta a popoulação pobre das favelas é notícia em áreas como a Rocinha, onde o contato com resíduos não tratados é uma realidade cotidiana para Kayke e dezenas de milhares de outras famílias.
As conseqüências desse problema são conhecidas. Elas batem à porta da população há décadas e condena muitas crianças a essa imundície e aos riscos de contraírem uma doença a cada segundo.
Um especialista em saúde pública chama o sistema de esgoto no Rio de “medieval” e o compara ao existente em metrópoles mundiais como Londres ou Paris dos séculos 14 ou 15.
E o problema não é apenas do Rio. Menos da metade dos lares em todo o Brasil estão ligados à rede de esgoto, o que significa que grande parte dos resíduos gerados por cerca de 100 milhões de pessoas atravessa valas a céu aberto que corta bairros como o de Kaike e de toda uma população, sujando córregos e rios que, por sua vez contaminam lagos, lagoas, praias e baías.
Marcele de Oliveira Franca, 21 anos, e o filho Kayke, de 5. O menino ficou duas semanas internado depois de ingerir água contaminada
Silvia Izquierdo/AP
Marcele de Oliveira Franca, 21 anos, e o filho Kayke, de 5. O menino ficou duas semanas internado depois de ingerir água contaminada
Da favela de Kaike o esgoto flui diretamente de tubos de plástico branco que saem dos barracos para a rede de águas que desenboca na lagoa Rodrigo de Freitas, sede das provas de remo e canoagem nos próximos Jogos Olímpicos.
Um estudo independente encomendado pela “Associated Press” alerta para os altos níveis de vírus e, às vezes de bactérias de esgoto humano em todas as vias navegáveis das áreas olímpicas da cidade. Uma avaliação de risco com base nos dados desse estudo aponta que um atleta que ingerir três colheres de chá dessa água têm uma chance 99% de ser infectado por um vírus, o que aumenta a atenção entre canoístas, remadores, nadadores de maratona aquática e triatletas.
Já para os moradores da Rocinha e de outras favelas do Rio, este não é apenas um evento único. Eles entram em contato com a água imunda todos os dias, semana após semana, ano após ano.
Especialistas em saúde pública afirmam que as crianças expostas ao esgoto adoecem com mais freqüência, têm menos probabilidade de frequentar a escola regularmente e desenvolver plenamente intelectualmente e, finalmente, acabam ficando destinado a empregos que pagam menos ao daqueles que tem origens sócio-econômicas semelhantes, mas que cresceram com saneamento básico.