Maneiras de produzir eletricidade de forma limpa e eficaz têm sido buscadas por especialistas na área energética de todo o mundo. Um recurso bastante explorado por eles é a célula de combustível microbiana, ferramenta que permite transformar dejetos como lixo e esgoto em energia, com a ajuda de micro-organismos. Agora, pesquisadores chineses acreditam ter criado um material que pode ajudar a melhorar a eficiência dessas “baterias biológicas”, que, apesar de já funcionarem, ainda não são boas o suficiente para aplicação em larga escala.
O invento, apresentado recentemente na revista Science Advances, é um tipo de aerogel fabricado com grafeno, derivado do carbono que tem sido muito utilizado em estudos tecnológicos. O material, que tem aspecto poroso, semelhante ao da pedra-pomes, consegue otimizar o trabalho das células de combustível e fazê-las produzir energias a partir das águas residuais. Um dos possíveis usos futuros da tecnologia, portanto, seria o de transformar as estações de tratamento de esgoto em usinas de energia.
A ideia do estudo surgiu com base em observações dos cientistas sobre o sistema elétrico. “Sabemos, por exemplo, que o tratamento de efluentes orgânicos consome atualmente de 3% a 5% de toda a energia elétrica produzida nos Estados Unidos. Também percebemos que as águas residuais contêm nove vezes mais energia do que é necessário para o seu tratamento. Em outras palavras, alguns métodos mais eficazes para o tratamento de efluentes orgânicos poderiam fornecer energia em vez de gastar”, destaca ao Correio Zhiyong Tang, um dos autores do estudo e pesquisador da Academia Chinesa de Ciência.
Ânodo
Perseguindo esse objetivo, os pesquisadores se voltaram para formas de melhorar sistemas que já trabalham com materiais orgânicos. “Entre as diferentes estratégias, células de combustível microbianas foram reconhecidas como a técnica mais promissora para a implementação de um duplo benefício: tratamento de águas residuais e coleta de energia. No entanto, a baixa eficiência de conversão de energia das células atuais dificulta seriamente sua aplicação, principalmente porque nós não encontramos os materiais ideais para seu funcionamento”, destaca Tang.
Ele explica que os dispositivos atuais carecem de um bom ânodo, eletrodo com grande poder de transferência de elétrons. Para melhorar essa parte das células de combustível eles investigaram materiais tridimensionais com estruturas porosas que se mostraram promissores em estudos anteriores. “Inspirados por nossas obras anteriores, selecionamos materiais tridimensionais à base de grafeno aerogel para fabricar bioânodos para as células de combustível microbianas. A escolha foi feita devido às extraordinárias propriedades elétricas, à grande área superficial e à excelente condutividade”, prossegue Tang.
O especialista e colegas chegaram a uma combinação do aerogel de grafeno com nanopartículas de platina. O novo material foi incorporado a duas pequenas células que produzem energia a partir do consumo de resíduos orgânicos existentes no esgoto por bactérias da espécie Shewanella oneidensis (veja infografia acima). Os resultados foram positivos, gerando energia suficiente para abastecer um pequeno temporizador. Os testes também foram feitos em uma instalação de tratamento de águas residuais municipais em Pequim com sucesso. Com base na avaliação positiva, os pesquisadores acreditam que, futuramente, o material possa ser usado em larga escala, principalmente pelo seu custo baixo. “O grafite em massa floco é a matéria-prima para a preparação de grafeno óxido, e seu custo é inferior a US$ 320 por tonelada. O aerogel grafeno pode ser sintetizado pelo método hidrotérmico simples”, afirma o autor.
Opção promissora
Para Gundisalvo Morales, professor do curso de engenharia ambiental da Universidade do Estado do Pará (Uepa), o estudo dos cientistas chineses é uma boa notícia para a área energética. “Estamos passando por uma crise de energia, e tudo que é feito nesse setor para baixar o custo é bem-vindo. Com essa alternativa, temos uma mistura de eletroquímica muito interessante e que parece promissora”, avalia.
Morales destaca que o aerogel de grafeno assume um papel importante no processo de produção por células energéticas. “O princípio do cátodo e do ânodo é bastante antigo, mas o grande problema é encontrar um ânodo com potencial, que possa produzir grandes quantidades de energia. E esse material, por possuir uma grande porosidade e ter estabilidade química, se mostra uma ótima opção”, acredita.
O professor da universidade brasileira, que não participou do estudo, considera ainda que o projeto chinês seria uma alternativa interessante para diversos países. “No Brasil, eu ainda não vi nada parecido com esse trabalho, que poderia ser usado em usinas de tratamento do país. Apesar de ser um estudo inicial, acredito que pode render um tratamento para recursos hídricos que diminua os impactos ambientais e possa produzir mais energia”, opina.