Duas semanas após rompimento de barragem, sobram dúvidas sobre apuração de responsabilidade e impacto do que é visto como maior desastre ambiental do Brasil.
Duas semanas após o rompimento de uma barragem de rejeitos de minério em Mariana (MG) ainda sobram perguntas sobre os responsáveis pelo que já é considerado o maior desastre ambiental do Brasil e a dimensão dos custos para lidar com suas consequências.
A Samarco, empresa que opera o complexo de barragens na região, e suas acionistas, a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, têm anunciado medidas de emergência para atender as populações locais e tentar reparar os já inúmeros danos ao meio ambiente.
No entanto, faltam esclarecimentos sobre como avançam as investigações que vão determinar as razões do desastre. Entre as 48 notas publicadas pela mineradora Samarco em sua página oficial, apenas 2 mencionam “investigações e estudos” sobre as causas do rompimento da barragem de Fundão.
Em uma coletiva de imprensa na última terça-feira, o diretor de operações e infraestrutura da mineradora, Kleber Terra, disse que a empresa iniciou as investigações “imediatamente” e contratou “especialistas do mundo inteiro, dos mais renomados” para um trabalho que “leva meses”.
No entanto, as perguntas enviadas pela BBC Brasil à Samarco sobre quem seriam os profissionais contratados pela empresa e qual o cronograma para divulgar os resultados de suas investigações não foram respondidas em 24 horas, até o fechamento desta reportagem.
Confira algumas respostas sobre o andamento das investigações até o momento:
Quem será responsabilizado pelo rompimento das barragens?
A Samarco já é considerada a principal responsável pelo ocorrido, segundo a promotora de Justiça do Ministério Público do Espírito Santo Isabela Cordeiro.
“Costumamos dizer que a empresa é responsável, mesmo se tivesse adotado todas as medidas necessárias de prevenção. Ela é responsável por qualquer evento danoso ambiental ou social decorrente da atividade dela. Não tem desculpa”, disse à BBC Brasil.
É por este motivo que a empresa já recebeu multas preliminares do Ibama e assinou termos, também preliminares, com os MPs dos dois Estados afetados pelo desastre ambiental, nos quais se compromete a realizar ações de emergência, de reparação e de prevenção nas regiões onde a lama ainda não havia chegado.
Outra questão é se a empresa será considerada criminosa. Quem determina oficialmente se o rompimento da barragem foi um crime ambiental é o inquérito da Polícia Federal que está em curso.
Questionada pela BBC Brasil, a PF não quis comentar a investigação, mas confirmou que apura a “possível ocorrência do delito ambiental previsto no artigo 54, § 2º, incisos I, II e III, e 62, da Lei nº 9.605/98, tendo em vista suposta incidência de crime ambiental”.
Caso a Polícia Federal determine a existência de crime, a Samarco terá que responder a um processo penal e seus dirigentes, assim como a Vale e a BHP Billiton, podem ser condenados.
Mas mesmo que isso não aconteça, a empresa continuará tendo que responder a exigências dos MPs de ambos os Estados através de outros acordos, de ações cíveis ou até de ações judiciais individuais e coletivas de pessoas afetadas pelo desastre.
Que tipo de multas podem ser aplicadas à empresa?
Até o momento, a Samarco foi multada em R$ 250 milhões pelo Ibama – cinco multas de R$ 50 milhões – mas essa é apenas a primeira que o órgão pode aplicar.
“O Ibama pode aplicar pelo menos outras dez penalidades previstas pela legislação, que vão de multas diárias a até exigir o fechamento da empresa” disse à BBC Brasil o advogado do Instituto Socioambiental Mauricio Guetta.
De acordo com a coordenadora geral de emergências ambientais do Ibama, Fernanda Pirillo, o órgão já prevê a cobrança de uma nova multa nas próximas semanas por destruição de área de preservação permanente nas margens do Rio Doce em Minas Gerais, cujo valor ainda não foi determinado. “Vai depender do tamanho da área, que está sendo calculado”, afirmou à BBC Brasil.
No entanto, é um desafio garantir que as multas sejam pagas, o que nem sempre acontece. “Temos uma boa legislação e muito avançada em relação à responsabilização, mas temos um problema de implementação”, diz Guetta.
“Cerca de 97% das multas aplicadas pelo Ibama não são pagas pelos infratores. É um dado chocante.”
A Samarco tem 20 dias para apresentar recurso contra o pagamento de cada uma das cinco multas preliminares. Depois disso, caso não seja atendida, ainda pode apresentar um segundo recurso antes de ter de, finalmente, fazer o pagamento.
Questionada pela BBC Brasil, a empresa não respondeu se pretende pagar, nem quando o fará.
Em um termo de compromisso proposto pelo Ministério Público de Minas Gerais e assinado pela Samarco no dia 16 de novembro, a empresa se compromete a criar um fundo de R$ 1 bilhão que deve ser destinado a ações de emergência no Estado.
O termo não especifica quais seriam essas ações, mas diz que a empresa terá de comprovar que o dinheiro está sendo gasto em “medidas de prevenção, contenção, mitigação, reparação e compensação dos danos ambientais ou socioambientais”. A multa prevista pelo não cumprimento destas medidas em seus prazos é de R$ 200 mil por dia.
Já o termo assinado com o MP do Espírito Santo no mesmo dia não fala de valores específicos, mas prevê que a empresa pague por análises do ambiente afetado pela lama, abastecimento de água de cidades impactadas, coleta de animais silvestres e dezenas de outras ações detalhadas – desde os meios de transporte até alimentação, hospedagem e instrumentos dos técnicos e profissionais envolvidos em cada uma delas.
O não cumprimento de cada uma das ações em seu prazo gera uma multa de R$ 1 milhão por dia no acordo firmado com no Espírito Santo. Segundo Isabela Cordeiro, a empresa é notificada por e-mail do MP toda vez que houver uma infração, e deve calcular a soma das multas diárias mais adiante.
E esses são apenas os custos das ações de emergência, que devem ocorrer pelo menos até que a lama deixe de passar pelo Rio Doce, segundo a promotora.
“Ainda estamos negociando um fundo como o de Minas, para garantir que a empresa vai arcar com essas providências”, afirmou Cordeiro. Ela disse ainda que um adendo ao termo deve garantir uma renda mínima às pessoas que sobrevivem das águas do Rio Doce.
A BBC Brasil procurou o Ministério Público de Minas Gerais para questionar por que o acordo com o Estado mais afetado pelo rompimento da barragem não determina especificamente as ações que a empresa deveria priorizar e por que a multa proposta pelo descumprimento dessas ações é tão menor que a do Espírito Santo. No entanto, não foi atendida pelo órgão até o fechamento da reportagem.
Para além da situação de emergência, no entanto, está a parte mais difícil: a avaliação do tamanho do problema e o cálculo do valor das perdas.
“Impactos sobre atividades produtivas são mais fáceis de calcular, mas estimar o valor dos recursos naturais é muito mais complicado. Quanto custa um manguezal, por exemplo?”, questiona a engenheira ambiental Alessandra Magrini, da Coppe (UFRJ), que realizou os cálculos da perda ocasionada pelo derramamento de 1,3 milhão de litros de petróleo na Baía de Guanabara pela Petrobras, em 2000.
“É preciso estimar as funções ambientais de cada recurso natural e ver como se calcula o dano. O Brasil não tem prática nesta avaliação”, afirma.
É por este motivo, segundo Magrini, que ainda é cedo para dizer quanto a Samarco, a Vale e a BHP Billiton terão de gastar com o incidente. Da mesma forma, é difícil fazer comparações com o que multinacionais gastaram com incidentes em outros países.
“Cada acidente é um acidente, com suas características. Mas em todos eles, contabilizar as perdas leva tempo. Isso não vai terminar hoje, vai ter repercussões por muitos anos.”
Quem está avaliando o impacto do desastre?
Em desastres ambientais de grande proporção, é comum que existam diversos laudos técnicos sendo preparados simultaneamente por equipes diferentes, de acordo com Magrini.
O desafio é coordenar esses esforços e reunir os dados para poder estimar o tamanho das perdas e o tipo de ressarcimento – em dinheiro e em ações de recuperação – que será preciso cobrar da empresa.
“A responsabilidade por fazer e por pagar é da empresa, mas os governos federal e estaduais precisam de um plano de ação para fiscalizar suas ações e instituir um estudo de avaliação do dano”, afirma.
Na última terça-feira, Kleber Terra, da Samarco, afirmou que a empresa tem 162 pontos de monitoramento de água ao longo do Rio Doce e equipes coletando amostras, com “uma série de empresas mobilizadas”.
Equipes do Ibama também estão realizando suas próprias medições e análises em toda a extensão do rio, de acordo com a coordenadora Fernanda Pirillo. Atualmente, há pelo menos cinco equipes, com cerca de 20 técnicos, divididas da seguinte forma:
• Pelo menos quatro pessoas em Mariana, no gabinete de crise;
• Duas duplas percorrendo as margens do Rio Doce em MG e ES, verificando se há animais silvestres ou domésticos a serem resgatados;
• Uma equipe de cinco pessoas no Espírito Santo, orientando o resgate de espécies nativas e raras de peixes, que serão transferidos para tanques e usados em repovoamento;
• Três técnicos acompanhando as tentativas de retenção da lama que a Samarco está fazendo no Espírito Santo;
• Cinco pessoas fazendo um mapeamento aéreo da região afetada.
Todos eles, diz Pirillo, deverão também coletar dados para relatórios sobre o impacto ambiental.
Os Ministérios Públicos estaduais também devem acionar profissionais para monitorar o dano ambiental e fiscalizar as ações da empresa. O MP-ES, segundo Isabela Cordeiro, está trazendo do Rio Grande do Sul três técnicos para garantir que a metodologia usada pelos profissionais contratados pela Samarco está correta.
“Também acionamos uma equipe com especialistas do Ibama, de universidades federais, de ONGs ambientais, e de outros. Parte deles já está em campo”, afirma.
Pesquisadores e voluntários de todo o Brasil também organizam, via Facebook, grupos que se propõem a fazer análises independentes dos mesmos fatores.
Cientistas criadores do Giaia (Grupo Independente de Avaliação do Impacto Ambiental – Samarco/Rio Doce) conseguiram chegar a alguns locais do vale do Rio Doce antes da lama e recolheram amostras de água e solo para comparar com o “depois”.
Que tipo de assistência está sendo dada às famílias?
Os compromissos assinados pela Samarco com os Ministérios Públicos de Minas e Espírito Santo preveem uma série de medidas para tentar reduzir os problemas das populações afetadas.
A empresa diz que tem mais de 400 profissionais atendendo as comunidades e que providenciou a estadia de 631 pessoas desabrigadas em hotéis e pousadas em Mariana. Algumas famílias começam a ser transferidas para casas alugadas e mobiliadas. A Samarco afirma também que disponibiliza água, cestas básicas, itens de higiene pessoal, material e equipamentos de limpeza, kits escolares e ração animal às pessoas afetadas.
Em cidades como Governador Valadares e Colatina (MG), que tiveram o abastecimento de água temporariamente suspenso por causa da passagem da lama, a Samarco foi obrigada a fornecer água potável, mas a distribuição gerou reclamações.
Em Governador Valadares, a equipe da BBC Brasil constatou que moradores esperavam em filas de mais de mil pessoas para encher garrafões, incluindo idosos. A prefeita da cidade, Elisa Costa, afirmou que a Samarco não enviou água potável suficiente, o que dificultava a abertura de mais postos.
Em resposta, a empresa limitou-se a dizer que enviou mais de 8,4 milhões de litros de água potável para ajudar no abastecimento da cidade e 500 mil litros de água mineral para a população.
Uma semana após o desastre, no dia 13 de novembro, a presidente Dilma Rousseff alterou o decreto que regulamenta a movimentação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que é direito de trabalhadores e só pode ser utilizado em casos específicos, entre eles, desastres naturais.
A alteração inclui na classificação de desastre natural o “decorrente do rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais”. Assim, os trabalhadores afetados poderão, caso queiram, sacar até R$ 6.220 do fundo para uso emergencial.
No entanto, a medida causou controvérsia e indignação nas redes sociais brasileiras, onde chegou a ser considerada uma brecha para que a Samarco consiga escapar de punições mais severas.
Em seu perfil oficial no Twitter, o Ministério da Casa Civil afirmou que a mudança “de forma alguma, exime as empresas responsáveis pela reconstrução das moradias dos atingidos ou do pagamento de qualquer prejuízo individual ou coletivo”.
Segundo o advogado Mauricio Guetta, a nova classificação poderia ser usada como justificativa pela empresa em uma ação penal, mas só seria aceita por um juiz “se o processo for mal conduzido”.
“Se não for constatada a responsabilidade específica, com culpa, da empresa e seus dirigentes, eles poderiam ser absolvidos da ação criminal. É uma brecha, mas não podemos afirmar que a mudança foi feita pelo governo para privilegiar um ou outro.”
“E para reparação de danos, não importa se foi desastre natural ou não. O que importa é que a empresa assume os riscos pela atividade que desenvolve, então tem obrigação de pagar por isso. Mesmo que a causa seja terremoto, furacão”, afirma.
Como estão as investigações do desastre de Mariana?
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nov