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Repovoamento do Rio Doce deve começar depois das chuvas de verão

O repovoamento do Rio Doce, dizimado com a morte de mais de 11 toneladas de peixes, deve começar depois das chuvas de verão com a volta de espécies mais resistentes, como carás, lambaris, bagres e traíras, segundo especialistas. Mas o retorno de outras espécies, particularmente as migratórias, será demorado. Isto porque o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, em Mariana, na Região Central de Minas, ocorreu menos de uma semana depois do início da piracema, período em que os peixes subiriam o rio para desova. Com a tragédia, muitas dessas espécies, que começariam a reprodução durante a temporada de chuvas – quando a vazão sobe, geralmente em dezembro e janeiro –, morreram antes de desovar.

O fato de estar na piracema não aumentou o número de peixes mortos, mas vai afetar no recrutamento das populações, já que as espécies estavam prontas para reproduzir”, afirma o biólogo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ricardo Motta Pinto Coelho. “A lama pegou os peixes em momento importante, comprometendo a reprodução de espécies que já estavam ameaçadas. Isso, certamente, vai impactar no repovoamento”, complementa o coordenador geral do Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano.

Desde 1º de novembro, as cerca de 80 espécies nativas são protegidas da pesca predatória por causa do período de desova. Até 28 de fevereiro, só é permitida a captura de, no máximo, 3kg por jornada de espécies exóticas ou híbridas, desde que não seja por métodos subaquático ou rede. Entre os migratórios típicos do Rio Doce estão o piau-vermelho, piau-branco e as ameaçadas de extinção piabanha e crumatã. A eles se somam exóticos – ou seja, que foram introduzidos na bacia –, como dourado, curimba-do- são francisco e surubim; que também sobem o rio para desovar (veja arte). “Os peixes estavam preparados, esperando apenas o ‘gatilho’ para a reprodução, que são as chuvas. O que vai acontecer agora é que são menos organismos para reproduzir”, afirmou o biólogo Fábio Vieira.

Um dos maiores especialistas em ictiofauna da Bacia do Rio Doce, Fábio Vieira acredita que a salvação para a recolonização da calha principal do Doce é cuidar dos afluentes, onde todas essas espécies, nativas e exóticas, ainda vivem, embora em número menor. “O Rio Doce não morreu. Felizmente, todas as espécies existentes na calha também são encontradas nos afluentes, que têm importância fundamental neste processo de repovoamento do Doce”.

Fábio lembra que o repovoamento do Rio Doce vai depender da melhora da qualidade da água. As primeiras espécies a voltar serão as de menor porte, como lambaris e acarás. “Não há uma previsão exata. A dinâmica fluvial é grande. Depois das chuvas de fim de ano, o rio pode começar a recuperar a coloração natural. O espaço está vazio e está aberta para que novas populações comecem a crescer e voltar o equilíbrio”, explica. “Primeiro voltarão os menos seletivos, de menor porte, e depois as maiores, que são mais dependentes de um ambiente limpo”.

RISCO DE EXTINÇÃO De acordo com a pesquisa “Distribuição, impactos ambientais e conservação da fauna de peixes da Bacia do Rio Doce”, do Instituto Estadual de Florestas, a bacia hidrográfica tem registro de 12 espécies endêmicas, ou seja, que existem exclusivamente na região. Segundo Fábio, autor do estudo, esse número pode subir para cerca de 20, com uma nova revisão taxonômica. Nenhuma delas é restrita à calha do Doce, ou seja, também existem nos afluentes.

Atualmente, oito espécies sofrem risco de extinção: andirá, surubim-do-doce, curimatã, timburé, piabanha, pirapitinga, lambari bocarra (espécie tradicional do Parque Estadual do Rio Doce) e o cascudinho (encontrada somente em afluentes). A situação desses peixes vai se agravar, uma vez que boa parte deles é natural do alto Rio Doce, próximo ao Rio Piranga, uma das áreas mais afetadas pela lama – especialmente surubim-do-doce e curimatã e piabanha – as duas últimas migratórias.

Apesar do alarme, Fábio Vieira não acredita em extermínio das espécies. “Considerando as ameaçadas e as endêmicas, podemos concluir com certeza que nenhuma será extinta em função do acidente. Essa previsão se expande para as demais espécies conhecidas da bacia. Desta forma, apesar de extremamente sério, o desastre não levará nenhuma espécie de peixe da bacia à extinção”, afirma o pesquisador.

 

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