Órgãos públicos do ES jogam esgoto no mar, aponta levantamento
Na Grande Vitória, mais de 6,5 mil imóveis – comerciais, industriais e do setor público – não estão ligados à rede de esgoto. Dentre eles estão órgãos ambientais, como o Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) e as secretarias de Meio Ambiente de Vitória e da Serra, além da própria empresa responsável pelo saneamento da região, a Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan).
O cadastro foi obtido pelo jornal A Gazeta. Além dele, a reportagem teve acesso a outros documentos que apontam a Cesan e a Prefeitura de Vitória como as responsáveis pelo lançamento de esgoto no mangue.
O material foi encaminhado para a Polícia Federal, já que a área pertence à União, para que seja apurado crime ambiental. Trata-se de um relatório, com boletins de ocorrência e fotos, produzidos pela Polícia Ambiental.
Eles constataram 14 pontos de lançamento de esgoto no mangue do bairro de Maria Ortiz, em Vitória. Foi identificado ainda indícios de dano à unidade de conservação ambiental – a Estação Ecológica do Lameirão.
Indignação
Mas este não é o único bairro da capital, e de outros municípios, que sofrem com o lançamento inadequado de esgoto que polui a Baía de Vitória. Até nas áreas consideradas nobres ele se faz presente. Que o diga o aposentado Pedro Jair dos Santos, 61, que há mais de cinco anos frequenta a Ilha do Boi, onde pesca toda segunda e quinta-feira.
O ponto dele de pescaria fica bem em cima de uma manilha, onde o odor é insuportável. No local ele já encontrou peixes e tartarugas mortas até na areia da praia. Ele acha um absurdo que órgãos públicos estejam entre aqueles que jogam esgoto no mar. “Cobram de nós um valor exagerado e não dão exemplo. Como pode?”, questiona.
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Cadastro
Na lista obtida pelo jornal A GAZETA estão listados todos os imóveis que não fizeram suas ligações à rede. Um total de 300 nomes referem-se à indústria e outros 5.899 ao comércio. Nestes dois itens estão inclusos os cinco pontos da Cesan, todos localizados em bairros já contemplados com rede.
Os órgãos públicos – municipais, estaduais e federais – totalizam 331, situados na Grande Vitória. Destes, 30 referem-se aos órgãos ambientais (Iema e secretarias de Meio Ambiente de Vitória e da Serra).
A lista contempla ainda nomes como: Ministério Público Estadual, Tribunal de Justiça, Polícia Militar, delegacias da Polícia Civil, Infraero, Corpo de Bombeiros, além de diversas secretarias de estado e dos municípios.
O aposentado Pedro Jair dos Santos, 61 anos, reclama do mau cheiro no local onde pesca na Ilha do Boi (Foto: Marcelo Prest/ A Gazeta)
Pedro Jair reclama do mau cheiro onde pesca na
Ilha do Boi (Foto: Marcelo Prest/ A Gazeta)
A Cesan não confirma todas as informações extraídas do seu cadastro. Mas, apresenta lista com o nome de 190 órgãos públicos que ainda não fizeram suas ligações, embora seus bairros possuam rede de esgoto. Porém, não informa, aqueles que não fizeram suas ligações devido a falta de rede ou mesmo de estrutura, chamada de PI, que permite fazer a ligação, e que precisa ser fornecida pela Cesan.
Na lista apresentada pela Cesan estão: Tribunal de Justiça, o Ministério Público Estadual, a Junta Comercial, a Polícia Federal, a Defensoria Pública, o 38º Batalhão de Infantaria, e dezenas de secretarias municipais e estaduais, e até outros órgãos federais.
De acordo com o último estudo do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento, o Estado é o que tem o menor índice de coleta de esgoto na Região Sudeste – apenas 41,93%. Do que é coletado, trata 77%.
Na Grande Vitória, ainda não há cobertura total de rede de esgoto. Vitória é a que tem a melhor situação, com 80%. Seguida por Serra (59,1%), Vila Velha (52,2%), Viana (49,8%) e Cariacica (44,2%). As informações são da Cesan.
Cálculos com base no que a população produz de esgoto, mostram que é lançado, por ano, na Baía de Vitória, cerca de 66 bilhões de litros de dejetos.
Esgoto
Na lista dos que não fizeram suas ligações à rede de esgoto, o nome da empresa responsável pelo saneamento na Grande Vitória, a Cesan, aparece cinco vezes. Trata-se, segundo o gerente de coleta e tratamento de esgoto da empresa, Luiz Claudio Rodrigues, de pontos onde estão instaladas estações elevatórias. “Que não geram esgoto”, disse.
Ele informou ainda que um total de 54 mil imóveis na Grande Vitória ainda não fizeram suas ligações à rede de esgoto. O número refere-se a residências, comércios, indústrias e também órgãos públicos.
Neste último item, há divergências em relação ao total. A lista obtida por A Gazeta aponta que são 331 órgãos públicos que não fizeram suas ligações. A concessionária confirma 190 nomes, dos quais 41 não teriam feito suas ligações por falta de estrutura, que permite fazer a ligação, e que precisaria ser fornecida pela Cesan.
Cesan
Outro motivo de não se fazer a ligação é a falta de rede de esgoto, como é o caso de Cariacica, onde o percentual é de 44,2%. Lá está a sede do Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema).
Segundo Rodrigues, desde 2012, o programa ‘Se liga na rede’ fez 44 mil inspeções, 30 mil abordagens e 10 mil ligações gratuitas. Com os contatos, conseguiram fazer com que 42 mil imóveis fizessem suas ligações. Neste período todos receberam um comunicado informando que em seus bairros já existia rede de esgoto.
A empresa agora está realizando uma vistoria para checar os que ainda não fizeram suas ligações, incluindo os órgãos públicos. A partir daí irá comunicar as prefeituras para que possam notificar proprietários e gestores das unidades. “A fiscalização é atribuição dos municípios”, disse Rodrigues.
Em relação a operação da Polícia Ambiental em Maria Ortiz, onde foram identificados 14 pontos de lançamento de esgoto no mangue, Rodrigues disse que a Cesan ainda não foi notificada.
“O que adianta fazermos a nossa parte se quem deveria dar o exemplo não o faz? É um absurdo um órgão público não ter o esgoto tratado”
Edivaldo Oliveira, empresário
Iema
O Iema informou que possui fossa séptica para destinação do esgoto. E que iniciou, há dois meses, em parceria com a Cesan, estudos para implementar sua rede interna de esgoto. “Trata-se de uma obra complexa e de alto custo pois a ligação será feita em rede distante do imóvel”, diz a nota.
Há 20 anos, o empresário Edvaldo Oliveira, 27, tomava banho e brincava tranquilamente nas águas do canal do Rio Jacaraípe, localizado ao final da Rua Safira, em São Patrício, na Grande Jacaraípe. “Hoje a poluição tomou conta desse espaço, é muito esgoto e lixo. No verão, o mau cheiro é intenso”, conta.
Ele e os moradores da rua reclamam da ausência da rede de esgoto no bairro, que faz com eles interliguem suas casas na galeria que deveria jorrar apenas o esgoto tratado. “Somos obrigados a poluir as águas desse canal, que por consequência deságua no mar”, lamenta.
Ao saber que não são apenas os resíduos das residências que contribuem com a poluição do meio ambiente, mas também o esgoto de comércios, indústrias e órgãos públicos, inclusive que os órgãos ambientais não tratam seu esgoto, o empresário é enfático. “O que adianta fazermos a nossa parte se quem deveria dar o exemplo não o faz? É um absurdo um órgão público não ter o esgoto tratado”, diz.
De acordo com Oliveira, a maior reclamação dos moradores é o fato de não terem a possibilidade de ligar o esgoto de suas casas na rede. “Não nos deram essa possibilidade. Queremos fazer o que é certo, até porque quem sofre somos nós, que convivemos todos os dias com essa degradação”, finaliza.
Com informações de Alexandre Lemos e Vilmara Fernandes, do Jornal A Gazeta.